Há quem lhes chame afrontamentos, há quem fale de suores, e há quem diga que está com os “calores da menopausa”. No Brasil, são conhecidos como fogachos ou calorões. O termo médico é sintomas vasomotores e são, sem dúvida, o cartão de visita da menopausa. Estima-se que afetem entre 60% a 80% das mulheres.
Se já os sentiste, sabes bem do que se trata. Começam tipicamente como uma onda repentina de calor, mesmo em ambientes frescos, sentida na face, pescoço, peito e, por vezes, nos braços e na parte superior das costas. A pele fica ruborizada e mais quente, como se estivesses a “corar”, ou a ficar com febre.
Estes episódios duram entre 2 a 4 minutos, podendo prolongar-se até 10 minutos ou mais. São frequentemente acompanhados por transpiração intensa e, por vezes, por palpitações. Além disso podem ser seguidos de calafrios, tremores e sensação de ansiedade.
E os suores noturnos?
Os sintomas vasomotores não acontecem apenas durante o dia. Podem ocorrer também durante a noite e são particularmente incómodos. Muitas mulheres acordam com a roupa de cama transpirada, o que as obriga a mudar de pijama e lençóis várias vezes durante a noite.
Estes episódios perturbam consideravelmente o sono, levando a cansaço, irritabilidade e perda de produtividade no dia seguinte.
Quais são as causas dos afrontamentos da menopausa?
As causas dos afrontamentos ainda não estão totalmente esclarecidas, mas acredita-se que envolvam vários fatores.
Sabe-se, no entanto, que a oscilação e a diminuição dos níveis de estrogénios afetam o centro cerebral que regula a temperatura corporal.
Verificou-se também que as mulheres com sintomas vasomotores apresentam uma zona termoneutra mais estreita, ou seja, o intervalo de temperatura em que o organismo consegue manter o equilíbrio térmico sem necessidade de ativar mecanismos de aquecimento ou arrefecimento. Contudo, em algumas mulheres, pequenas variações na temperatura corporal podem ultrapassar esta zona, desencadeando mecanismos de dissipação de calor, resultando nos típicos afrontamentos e suores.
Neurónios KNDy
Mais recentemente, descobriu-se que os neurónios KNDy (lê-se “candy”), situados no hipotálamo, o tal centro cerebral que ajuda a regular a temperatura corporal, desempenham um papel central nos sintomas vasomotores.
Estes neurónios produzem várias substâncias (kisspeptina, neurocinina B e dinorfina) e, em condições normais, os estrogénios ajudam a manter o seu funcionamento equilibrado.
Durante a perimenopausa e menopausa, com a diminuição dos níveis de estrogénios, esta regulação fica alterada: os neurónios KNDy tornam-se hiperativos e passam a enviar sinais exagerados ao centro de controlo da temperatura, o que desencadeia os característicos afrontamentos e suores.
Uma breve nota para dizer que foi recentemente aprovado em Portugal um novo medicamento não hormonal, indicado para sintomas vasomotores moderados a intensos. Este medicamento atua precisamente através do bloqueio da ação da neurocinina B, ajudando assim a reduzir a frequência e a intensidade dos afrontamentos. Isto significa que algumas mulheres que não podem ou não querem fazer terapêutica hormonal da menopausa podem agora beneficiar desta nova opção, desde que tenham indicação clínica e sejam devidamente acompanhadas pelo seu médico assistente.


Quanto tempo duram os afrontamentos da menopausa?
A duração dos afrontamentos varia bastante de pessoa para pessoa, mas a literatura científica indica que a duração mediana é de 7.4 anos.
Isto significa que:
- metade das mulheres tem sintomas durante menos tempo;
- a outra metade tem sintomas durante mais tempo.
Em algumas mulheres, os afrontamentos podem prolongar-se por mais de 10 ou mesmo 20 anos; noutras, duram consideravelmente menos.
Os afrontamentos tendem a ser mais intensos nos 2 anos que antecedem a menopausa, atingindo o pico cerca de 1 ano após a última menstruação.
A experiência individual pode ser muito diferente, tanto na duração como na frequência e na intensidade dos sintomas. Há quem tenha 30 episódios num só dia, há quem tenha 2 ou 3, também há quem os sinta durante mais de 10 anos e quem passe pela menopausa sem nunca ter tido nenhum. Não há duas experiências iguais.
Quais são os padrões mais comuns?
No estudo SWAN (Study of Women’s Health Across the Nation), um dos maiores e mais completos estudos longitudinais sobre as alterações biológicas e sociais que ocorrem durante a transição para a menopausa, as mulheres com sintomas vasomotores distribuíram-se aproximadamente por quatro padrões:
- INÍCIO PRECOCE: mulheres cujos sintomas vasomotores, começaram no início da transição menopáusica (antes da última menstruação) e diminuíram após o período último menstrual. Representaram cerca de 18,4% das mulheres).
- INÍCIO TARDIO: Mulheres cujos sintomas vasomotores surgiram principalmente após a última menstruação e persistiram durante vários anos após a menopausa. Este padrão ocorreu em cerca de 29% das mulheres.
- SINTOMAS LIGEIROS OU AUSENTES: mulheres que apresentaram poucos ou nenhuns sintomas vasomotores ao longo de toda a transição menopáusica. Este grupo correspondeu a cerca de 27% das participantes.
- “SUPER FLASHERS”: Mulheres cujos sintomas vasomotores começaram muito antes da última menstruação e continuaram durante muitos anos após a menopausa. Este grupo correspondeu a cerca de 25,6% das mulheres.
Variações genéticas e raciais nos afrontamentos da menopausa
Um facto curioso que aprendi enquanto estudava sobre este tema é que a prevalência, intensidade e duração dos sintomas vasomotores não são iguais em todas as zonas do globo.
- MULHERES NEGRAS: tendem a apresentar afrontamentos mais intensos, frequentes e persistentes do que as caucasianas, com uma duração média dos sintomas de cerca de 10 anos.
- MULHERES HISPÂNICAS/LATINAS: têm taxas de afrontamentos semelhantes às das mulheres brancas, mas inferiores às das mulheres negras.
- MULHERES ASIÁTICAS: tendem a relatar menos sintomas vasomotores e mais dores nas articulações. No Japão, por exemplo, nem existe uma palavra específica para descrever este tipo de sintomas.
Quem tem maior risco de ter afrontamentos na menopausa ?
Existem diversos fatores que aumentam o risco de desenvolver afrontamentos. Alguns podemos controlar e mudar, outros não.
Excesso de peso e obesidade: embora não se saiba exatamente a causa, o excesso de peso e a obesidade estão associados a maior frequência e intensidade dos afrontamentos. A perda de peso, mesmo que ligeira está relacionada com a melhoria destes sintomas.
Gordura abdominal: um nível mais elevado de gordura nesta região está associado a uma maior probabilidade de ocorrência de afrontamentos em mulheres mais jovens e no início da perimenopausa.
Tabagismo: o tabagismo (presente ou passado), também está associado a uma maior frequência e intensidade dos afrontamentos, numa relação dose-dependente; ou seja, quanto maior o número de cigarros e a duração do tabagismo, maior será a frequência e a intensidade dos sintomas. Além disso, o tabagismo intensifica o efeito da obesidade no risco de ter afrontamentos. Ou seja, as mulheres que são fumadoras e que têm obesidade apresentam um risco particularmente elevado de ter afrontamentos frequentes ou intensos. A exposição passiva ao fumo também aumenta este risco.
Raça negra: como já vimos, as mulheres negras tendem a ter sintomas mais intensos, mais frequentes e mais persistentes do que as caucasianas, com uma duração média de sintomas de 10 anos.
Ansiedade e depressão: ambas estão associadas a um aumento na ocorrência e frequência dos afrontamentos. Esta relação tende a ser bidirecional; ou seja, a ansiedade pode causar sintomas, e os sintomas podem, por sua vez, agravar a ansiedade. Além disso, as mulheres que sofrem de ansiedade e sintomas depressivos tendem a avaliar os seus afrontamentos como mais desconfortáveis.
Baixo nível socioeconómico, baixo nível de educação, stress pós-traumático, história de violência ou abuso sexual: estes também são fatores de risco para o desenvolvimento de sintomas vasomotores, provavelmente resultantes de múltiplos processos sociais, psicológicos e fisiológicos ao longo da vida, incluindo alterações cerebrais.
Menopausa cirúrgica: nas mulheres que têm uma menopausa cirúrgica (remoção dos ovários antes da menopausa), os afrontamentos geralmente começam logo após a cirurgia. Estas mulheres têm mais probabilidade de ter sintomas do que as mulheres que têm a menopausa naturalmente, e os seus sintomas também tendem a ser mais intensos e frequentes.

Fatores que podem desencadear afrontamentos
Existem diversos fatores podem desencadear os afrontamentos, nomeadamente:
- Álcool e cafeína
- Alimentos picantes ou muito quentes
- Bebidas quentes
- Tempo quente e ambientes quentes e húmidos (olá salas de reunião fechadas e sem ar condicionado no verão! Quem nunca?!)
- Roupas apertadas e tecidos sintéticos
Embora a evidência científica sobre a eficácia de evitar estes fatores seja limitada, muitas mulheres relatam que evitá-los pode ajudar a reduzir a frequência e a intensidade dos sintomas.
Por isso, sugiro que procures identificar quais são os teus triggers e se para ti, funciona evitá-los ou não.
As implicações dos afrontamentos na saúde
Os afrontamentos vão muito além do desconforto momentâneo, pois episódios moderados a intensos estão associados a diversos problemas, como:
- Menor qualidade do sono
- Irritabilidade
- Dificuldade de concentração
- Sintomas depressivos
- Diminuição do bem-estar psicológico e geral
- Menor qualidade de vida e pior saúde geral
Mas não é só. Os afrontamentos estão também associados a complicações a longo prazo para saúde, nomeadamente:
Doenças cardiovasculares
A presença de afrontamentos moderados, intensos ou de início precoce está também associada a um risco aumentado de doenças cardiovasculares e osteoporose.
Surpreendida? Eu também fiquei.
Não se conhecem exatamente as razões e a natureza da associação entre os afrontamentos e o risco de desenvolver doenças cardiovasculares. No entanto, uma possível interpretação é que os afrontamentos podem ser uma manifestação de disfunção do endotélio, ou seja, relacionada com o revestimento dos vasos sanguíneos.
Outra interpretação é que os fatores que predispõem as mulheres a desenvolver doenças cardiovasculares podem ser os mesmos que as que predispõem a ter sintomas vasomotores. Contudo, ainda há muito por descobrir sobre esta relação.
Mas o mais importante é este alerta: se tens afrontamentos frequentes, intensos, ou de início precoce tens de estar particularmente atenta à tua saúde cardiovascular e discutir este aspeto com o teu médico assistente, para fazerem um acompanhamento mais rigoroso da tua saúde cardiovascular, nomeadamente vigiar a tensão arterial, o perfil lipídico e a glicemia (açúcar no sangue).
Perda de massa óssea
Além de aumentar o risco de doenças cardiovasculares, a presença de sintomas vasomotores está associada a uma maior perda óssea. Embora não se saiba exatamente porquê, as mulheres que apresentam sintomas vasomotores têm maior probabilidade de desenvolver osteopenia ou osteoporose em comparação com aquelas que não apresentam esses sintomas. Por isso, muita atenção também à saúde dos ossos.
Declínio cognitivo / demência
Dois estudos recentes, um publicado em 2023 e outro em 2024, associaram a presença de sintomas vasomotores ao declínio cognitivo e à demência.
Os sintomas vasomotores estão a emergir como um indicador de risco aumentado de demência, mas ainda estamos longe de perceber tudo sobre esta relação.
Este é um tema que me interessa particularmente, e ao qual vou estar bastante atenta. Reportarei assim que tiver novidades.

E se não for a menopausa?
Se estás nas décadas dos 40 ou 50 anos e apresentas alterações menstruais ou outros sintomas da perimenopausa (que exploro no artigo: 10 sintomas comuns da menopausa que precisas de conhecer), é bastante provável que as alterações hormonais típicas dessa fase sejam a causa dos teus afrontamentos.
No entanto, é importante considerar outras possíveis causas. É possível que estejas na perimenopausa e, ao mesmo tempo, tenhas uma condição médica subjacente, como por exemplo doença da tiroide (ou outras), que devem ser excluídas. Nem tudo é “culpa” dos estrogénios.
Algumas condições que também causam afrontamentos incluem:
- Doenças da tiroide
- Diabetes
- Apneia do sono
- Ansiedade
- Obesidade
- Consumo excessivo de álcool
- Alguns tipos de cancro
- Algumas infeções, como tuberculose
- Algumas doenças neurológicas
- Alguns medicamentos, como antidepressivos, opioides, tratamentos hormonais e tratamentos para o cancro
E agora? Como tratar?
Depois de tudo o que vimos, surge a grande pergunta: o que podemos fazer para aliviar os afrontamentos?
No próximo artigo, vamos explorar as várias opções disponíveis, desde a terapêutica hormonal da menopausa aos tratamentos não hormonais, passando pelas abordagens complementares que podem ajudar em algumas situações.
Este artigo já vai longo, por isso ficamos por aqui, mas em breve continuamos esta conversa.
Resumo: o essencial sobre os afrontamentos da menopausa
- Os sintomas vasomotores, também conhecidos como afrontamentos ou calores são o sintoma mais comum da menopausa.
- Afetam entre 60% e 80% das mulheres, mas a frequência, intensidade e duração variam substancialmente de mulher para mulher.
- Cerca de 25% das mulheres apresentam poucos ou nenhuns sintomas, enquanto outras 25% podem enfrentar sintomas vasomotores por mais de 10 anos.
- A duração mediana dos sintomas vasomotores é 7 anos.
- São geralmente mais intensos nos 2 anos que antecedem a menopausa, atingindo o pico cerca de 1 ano após a menopausa.
- Fatores como excesso de peso, obesidade, tabagismo, raça negra, ansiedade e baixo nível socioeconómico estão associados a um maior risco de ter afrontamentos
- Alguns fatores podem desencadear os sintomas, como o consumo de álcool, cafeína, alimentos picantes ou quentes, além de ambientes aquecidos e roupas apertadas.
- Os afrontamentos estão relacionados com uma menor qualidade do sono, irritabilidade, sintomas depressivos e uma redução na qualidade de vida.
- Sintomas moderados ou intensos estão associados a um maior risco de doenças cardiovasculares, osteoporose e, possivelmente declínio cognitivo, por isso, é fundamental estarmos atentas a estes domínios.
E tu, tens ou já tiveste afrontamentos? Qual é o impacto que têm na tua vida?
És uma superflasher ou fazes parte dos 27% que têm poucos ou nenhuns calores?
Até breve!
Rita
Fotografia: Márcia Soares