O sono não é um luxo. É uma necessidade fundamental.
Todos precisamos de dormir e não há nenhum aspeto da nossa vida que corra bem quando estamos privadas de sono. Falta de energia, dificuldade de concentração, irritabilidade, falta de motivação, impulsividade e apetite descontrolado são apenas algumas das consequências – a lista continua…Nada de bom acontece depois de uma noite mal dormida.
Durante o sono, o corpo não está apenas a repousar. Está ativamente a reparar tecidos, incluindo os músculos, a limpar o cérebro de substâncias nocivas, a consolidar a memória, a apoiar a produção de hormonas, como as que regulam o apetite, a fortalecer a função imunológica e a reduzir a pressão arterial.
Por isso, não é de estranhar que, a longo prazo, a falta de sono esteja associada a um maior risco de obesidade, doenças cardiovasculares, diabetes, hipertensão arterial, depressão, demência e a toda uma miríade de doenças dos tempos modernos.
Infelizmente, as perturbações do sono são um dos sintomas mais comuns e debilitantes durante a transição para a menopausa. Estima-se que afetem entre 40% e 69% das mulheres nesta fase e incluem:
- dificuldade em adormecer
- despertares frequentes durante a noite
- acordar muito cedo e ter dificuldade em voltar a adormecer
- sensação de sono menos reparador ou insuficiente
Na verdade, as alterações do sono são um dos primeiros sintomas da perimenopausa, embora sejam frequentemente atribuídas a outras causas. É muito comum relacionarmos as noites mal dormidas com o stress, o trabalho ou os problemas do dia a dia, sem sequer considerarmos a possibilidade de alterações hormonais.
Por que é que durmo mal?
O papel do estrogénios
Durante a transição para a menopausa, a diminuição dos níveis de estrogénios e progesterona interfere diretamente na regulação do sono. Isto não é surpreendente, dado que estas hormonas desempenham papéis importantes no ciclo sono-vigília, no controlo da temperatura corporal e no equilíbrio do humor.
Os estrogénios influenciam a regulação da serotonina e de outros neurotransmissores que, além de regularem o humor e o bem-estar, também têm um papel fundamental na regulação do sono. Os estrogénios aumentam a fase de sono profundo, prolongam o tempo total de sono e reduzem o tempo necessário para adormecer, bem como os despertares durante a noite. Além disso, ajudam a manter a temperatura corporal estável durante o sono, favorecendo um sono de qualidade.
Contudo, à medida que os níveis de estrogénios diminuem, este efeito regulador perde-se progressivamente. Nesta altura, podem surgir os afrontamentos e suores noturnos, que são uma das principais causas de despertares noturnos e de noites mal dormidas nas mulheres em transição para a menopausa.
A diminuição dos níveis de estrogénios também contribui para alterações do humor, como ansiedade e depressão. A ansiedade pode dificultar o processo de adormecer, enquanto a depressão está frequentemente associada a um sono pouco reparador e a acordar muito cedo. A ansiedade e depressão andam muitas vezes de mão dadas com os distúrbios do sono numa relação bidirecional, ou seja, os distúrbios do sono podem causar ou agravar a ansiedade e a depressão, enquanto estas, por sua vez, dificultam o sono.
Além disso, a redução dos níveis de estrogénios está frequentemente associada a dores articulares, musculares e problemas urinários, como a necessidade de urinar durante a noite, que podem interromper o sono e comprometer o descanso.
O papel da progesterona
A progesterona é conhecida pelo seu efeito calmante, relaxante e indutor do sono, e a sua diminuição pode dificultar o adormecer, além de agravar sintomas de ansiedade e depressão.
O papel da melatonina
Outra hormona que diminui durante a transição para a menopausa é a melatonina, responsável pela regulação do ciclo sono-vigília. A sua produção é parcialmente influenciada pelos níveis de estrogénio e progesterona, e tende a reduzir-se tanto durante a perimenopausa como com o avançar da idade, o que contribui ainda mais para os problemas de sono.
Serão as hormonas as únicas culpadas?
As alterações hormonais não são as únicas responsáveis pelas perturbações do sono. O stress, ou, como já vimos, a ansiedade ou depressão, o excesso de peso, a apneia obstrutiva do sono e outras condições médicas como o síndrome das pernas irrequietas também têm um papel significativo. Maridos que ressonam, também!
Além disso, hábitos relacionados com o estilo de vida, como consumo de álcool, cafeína, tabagismo, sedentarismo, exposição excessiva a ecrãs, ausência de rotinas, insuficiente exposição à luz solar, são fatores que também prejudicam a qualidade do sono individual…e da nossa sociedade como um todo.
Quantas horas de sono precisamos?
Nem todas as pessoas precisam das mesmas horas de sono. A média varia entre 7 a 9 horas, mas isso depende de cada pessoa e tende a diminuir com a idade. Enquanto algumas pessoas conseguem funcionar bem com apenas 6 horas de sono, outras podem precisar de até 9 horas para se sentirem completamente descansadas e “funcionais” durante o dia.

A importância da higiene do sono na menopausa
Mas, antes de mais, o que é a higiene do sono de que tanto ouvimos falar?
A higiene do sono refere-se a um conjunto de práticas e rotinas diárias que favorecem um sono de qualidade. Estas práticas são especialmente importantes nesta fase da vida, em que o sono já está, muitas vezes, comprometido.
Preparar uma boa noite de sono começa logo de manhã (como assim?) e continua com a adoção de hábitos e práticas que, ao longo do dia, preparam o corpo e a mente para o descanso.
DURANTE O DIA
Expõe-te à luz solar logo pela manhã
Pode não parecer óbvio, mas a luz solar matinal é essencial para melhorar o sono, uma vez que ajuda a sincronizar o nosso relógio biológico interno, que regula os ciclos de sono e vigília.
Se conseguires, passa 20 a 30 minutos ao ar livre pela manhã. Se isso não for possível, toma o pequeno-almoço perto de uma janela com luz direta. Se trabalhas em casa ou num espaço fechado, tenta ficar próximo de uma janela ou aproveita para fazer pequenas pausas ao ar livre. São gestos simples que podem ter um grande impacto na qualidade do teu descanso à noite.
Deita-te e acorda todos os dias à mesma hora
O sono adora rotinas e criar uma rotina consistente é um dos fatores mais importantes para dormir bem. Deitar e acordar à mesma hora todos os dias, incluindo fins de semana ajuda a regular o ciclo-sono vigília. Pode demorar algumas semanas até o corpo se habituar, por isso, mantém o compromisso e não desistas. O teu sono vai agradecer.
Evita exagerar nas sestas
As sestas podem ser uma forma útil de recuperar energia durante o dia, mas se forem demasiado longas ou feitas tarde demais, podem atrapalhar o sono à noite. Para evitar isso, mantém as sestas curtas, com duração entre 20 e 30 minutos, e procura fazê-las no início da tarde.
Pratica exercício físico regularmente
A prática regular de exercício físico, seja yoga, tai-chi, exercício aeróbico ou treino de força, é altamente recomendada para melhorar a qualidade do sono, e isso acontece por várias razões.
- Aumento da temperatura corporal: Durante o exercício, a temperatura do corpo aumenta e, após a atividade, ela diminui, sinalizando ao cérebro que é hora de descansar. Este processo facilita a transição para o sono, ajudando a adormecer mais facilmente.
- Regulação do cortisol: O exercício físico ajuda a regular os níveis de cortisol, a hormona do stress, o que diminui a ansiedade e cria um ambiente mais calmo para adormecer.
- Libertação de endorfinas: Durante o exercício, o corpo liberta endorfinas, neurotransmissores que promovem sensação de bem-estar e relaxamento, ajudando a aliviar a tensão acumulada ao longo do dia e favorecendo uma noite de sono mais tranquila.
- Regulação da melatonina: A prática de exercício contribui para a regulação dos níveis de melatonina, a hormona responsável pelo ciclo de sono-vigília. Isso facilita o adormecer e melhora a qualidade do sono.
No geral, a prática regular de exercício físico não só melhora a qualidade do sono, mas também contribui para um descanso mais profundo e reparador, essencial para a nossa saúde física e mental.
Contudo, fazer exercício muito perto da hora de dormir pode dificultar o adormecer. Isso acontece porque o esforço físico estimula a produção de hormonas de stress como a adrenalina e aumenta a temperatura corporal, dois fatores que interferem no processo de adormecer. Por isso, se puderes evita praticar exercício muito perto da hora de dormir.
Evita cafeína a partir do meio da tarde
Todas adoramos café, mas na verdade a cafeína pode ser uma grande inimiga do sono. O tempo de semi-vida da cafeína é de aproximadamente 5 a 6 horas, o que significa que metade da dose consumida ainda estará no organismo após esse período. Para algumas pessoas, a eliminação completa pode levar até 10 horas. Isto significa que aquele café da tarde pode ainda estar em circulação à hora de deitar.
Por isso, a recomendação é evitar cafeína pelo menos 6 horas antes de deitar. Se és muito sensível à cafeína (como eu!), pode ser necessário parar ainda mais cedo para garantir uma noite tranquila.

À NOITE
Janta cedo
Embora o jantar seja a refeição que fazemos com mais calma e em família, é importante que seja ligeiro. Durante a digestão, a temperatura do corpo aumenta, e, para adormecermos, precisamos que ela desça. Por isso, o ideal é jantar 2 a 3 horas antes de dormir para dar ao organismo o tempo necessário para digerir a refeição. Mas atenção, ir para a cama com fome também é prejudicial ao sono. Se necessário, opta por uma ceia leve e de fácil digestão, como iogurte natural com fruta.
O álcool não é boa ideia
Lamento, mas a ideia de que o álcool ajuda a dormir é falsa. Embora o consumo de bebidas alcoólicas possa produzir sonolência e proporcionar uma sensação de relaxamento, na realidade promove um sono fragmentado, com despertares frequentes – mesmo que inconscientes – e mantém-nos em fases mais leves do sono, resultando num sono menos reparador. E isto acontece mesmo com o consumo de apenas uma bebida próximo da hora de dormir.
Além disso, o álcool (assim como a cafeína) é frequentemente um gatilho para os suores noturnos da menopausa e é diurético, o que significa que é mais provável que acordes durante a noite para ir à casa de banho.
Limita o uso de ecrãs
Esta é a regra que todas sabemos, mas talvez seja uma das mais difíceis de implementar. Quantas vezes já deste por ti à meia-noite a fazer scroll no Instagram, a ver o que de passa no Facebook, ou a assistir a mais um episódio daquela série tão gira na Netflix?
Ver televisão, usar o computador (seja para trabalhar ou lazer) e olhar para o telefone antes de dormir mantém o cérebro ativo e estimulado, aumentando a produção de hormonas de stress que dificultam o adormecer.
Além disso, a luz azul emitida pelos dispositivos eletrónicos (e também por lâmpadas LED e fluorescentes) inibe a produção de melatonina, a hormona responsável por regular o ciclo de sono e vigília. Isso faz com que o corpo permaneça em estado de alerta, dificultando o adormecimento e prejudicando a qualidade do sono.
Se não for possível evitar totalmente o uso de ecrãs à noite, procura usar filtros de luz azul ou ativar o modo noturno nos equipamentos, o que pode ser uma útil para reduzir o impacto. No entanto, o ideal será criar uma rotina de “desconexão tecnológica” que permita ao corpo e à mente preparar-se para uma noite de sono tranquila e reparadora, pelo menos 2 horas antes de dormir.
Cria um ritual noturno de relaxamento
Procura implementar um ritual de relaxamento que sinalize ao corpo que está na hora de ir descansar. Se, após um dia cheio de atividades, simplesmente pararmos o que estamos a fazer e formos diretamente para a cama, sem tempo para desacelerar, é improvável que consigamos adormecer facilmente – e isso inclui ver e-mails de trabalho à noite (!).
Existem várias maneiras de criar a tua rotina de relaxamento, e não precisa de ser algo complicado ou demorado. Pode ser ler um livro (em papel), ouvir música calma, conversar, escrever, meditar ou até tomar um banho morno (não quente, especialmente para quem tem suores noturnos).
Nesta altura, reduz a intensidade das luzes e evita a exposição a luzes muito brilhantes e intensas, pois podem prejudicar a produção de melatonina e dificultar o adormecimento.
Experimenta fazer uma to-do list
É muito frequente chegarmos à cama e começarmos a pensar nas tarefas que temos para fazer, nas coisas menos boas que aconteceram durante o dia e nas preocupações que temos, sejam familiares, relacionadas com o trabalho ou quaisquer outras.
Uma prática simples que pode ajudar, e que é baseada em ciência, é escrever a lista de afazeres para o próximo dia. Um estudo publicado em 2018 no Journal of Experimental Psychology, mostrou que as pessoas que fazem a lista de afazeres adormecem mais depressa, pois aliviam a mente das preocupações e sentem-se mais preparadas para o dia seguinte.
Testa diferentes métodos de relaxamento
Em vez de te concentrares apenas em adormecer, muitas vezes é mais eficaz focar-te em relaxar. Técnicas como meditação, mindfulness, respiração controlada e outros métodos de relaxamento ajudam a criar o estado mental ideal para o sono. Estes exercícios reduzem a ansiedade, regulam o ritmo cardíaco e acalmam a mente, preparando o corpo para uma transição mais suave para o sono. Experimenta diferentes métodos até encontrares o que funciona melhor para ti.
Não fiques às voltas na cama
É importante criar uma associação saudável entre estar na cama e adormecer. Não é possível forçar o sono, e ficar na cama a tentar adormecer pode aumentar a ansiedade, tornando o processo ainda mais difícil. Por isso, se não conseguires adormecer após 20 ou 30 minutos, levanta-te e faz algo relaxante, como ler, fazer alongamentos, escrever ou realizar uma atividade tranquila em ambiente de pouca luz (mas evita olhar para o telefone!).
O QUARTO
Cria o ambiente ideal
Usa o quarto apenas para dormir e para momentos de intimidade, e assegura-te de que tem um ambiente tranquilo – limpo, arrumado e livre de “tralhas” e objetos desnecessários. O ideal é que o quarto esteja fresco e que bloqueie o máximo de ruído e luz possível.
Quarto fresco
- O quarto deve estar fresco e arejado, mas não frio – a temperatura ideal é entre os 18 e 21ºC.
- Pode parecer estranho, eu sei, mas o adormecimento é facilitado pela descida da temperatura corporal, e quartos muito aquecidos não favorecem uma boa noite de sono.
- Evita roupa de cama em excesso ou pijamas demasiado quentes, especialmente se tiveres afrontamentos durante a noite.
- Prefere roupa de cama e pijamas leves e de boa qualidade, feitos de tecidos respiráveis, como o algodão.
Quarto escuro
- Baixa os estores na totalidade ou utiliza cortinas blackout para eliminar a luz exterior.
- Retira do quarto tudo o que faça barulho ou emita luz – telemóveis, televisões, computadores – e evita ver televisão na cama ou usar o telemóvel ou computador portátil.
Quarto silencioso
- O ruído é uma fonte frequente de distúrbios do sono, mas nem sempre conseguimos controlá-lo, especialmente para quem vive em prédios ou em zonas mais movimentadas da cidade.
- Os tampões de ouvidos podem ser uma boa solução para bloquear sons indesejados que dificultam o adormecer.
O que comer para dormir melhor?
Não existe nenhum alimento mágico que te faça adormecer em 30 segundos, mas uma dieta equilibrada pode complementar a higiene do sono na menopausa.
Alimentos ricos no aminoácido triptofano, como peru, frango, frutos oleaginosos, ovos, iogurte natural, queijo, aveia, bananas e kiwi – estimulam a produção de serotonina e melatonina que ajudam a promover uma boa noite de sono. O efeito destes alimentos é maximizado quando consumidos com uma fonte de hidratos de carbono. Algumas combinações interessantes incluem, por exemplo, peru com batata doce, omelete de queijo com arroz, iogurte natural com aveia ou banana, e maçã com amêndoas.
No artigo Alimentação na menopausa: 7 princípios essenciais para ter mais saúde e menos sintomas, explico como a alimentação pode ajudar a reduzir os sintomas e a prevenir doenças a longo prazo.
Estratégias para lidar com os suores noturnos
Os suores noturnos são um dos grandes culpados pelas noites mal dormidas durante a perimenopausa, mas existem algumas estratégias que podem ajudar a minimizar o seu impacto.
- Evita banhos e bebidas quentes antes de deitar.
- Opta por pijamas e roupas de cama em tecidos leves e respiráveis, como o algodão
- Prefere roupa de cama leve e em camadas, que possas remover conforme necessário durante a noite.
- Experimenta colocar uma bolsa de gelo de baixo da almofada ou debaixo do lençol.
- Mantém um pijama lavado e um jogo de lençóis à mão, caso seja necessário mudar durante a noite.
- Mantém o quarto fresco e arejado.
- Quando acordares com suores noturnos e ansiedade, experimenta fazer a respiração 3-4-5. Esta é uma técnica de relaxamento simples que consiste em inspirar profundamente pelo nariz durante 3 segundos, segurar a respiração por 4 segundos e expirar lentamente pela boca durante 5 segundos. Este ciclo ajuda a reduzir a ansiedade e promove o relaxamento.
Quando procurar ajuda profissional
Embora a higiene do sono na menopausa seja muito importante, não resolve todos os problemas, especialmente em casos de insónia grave ou distúrbios como apneia obstrutiva do sono ou síndrome das pernas irrequietas. Se os problemas forem prolongados no tempo, se tiverem repercussões no dia a dia, ou estiverem associados a outros sintomas como afrontamentos, ansiedade ou depressão, é importante consultar um médico.
A terapêutica hormonal da menopausa pode ajudar, especialmente se tiveres suores noturnos. Mas existem também outros tratamentos disponíveis – tanto farmacológicos como não farmacológicos, como a Terapia Cognitivo-Comportamental.
Atualmente, existem consultas de sono disponíveis em hospitais públicos, privados e clínicas, oferecidas por médicos de várias especialidades com competência em medicina do sono. Estes profissionais podem ajudar a fazer um diagnóstico correto e a instituir o tratamento mais adequado para ti.
A menopausa é inevitável, mas a noites mal dormidas não.
Como têm sido as tuas noites? Quais destas rotinas vais implementar para melhorar a qualidade do teu sono?
Até breve!
Rita
Fotografia: Márcia Soares