Gordura abdominal na menopausa: o que está a acontecer ao meu corpo?

Gordura Abdominal na Menopausa: o que está a acontecer ao meu corpo?

Sabias que, durante a perimenopausa, muitas mulheres notam um aumento da gordura abdominal, mesmo sem alterações significativas na alimentação, na atividade física ou mesmo sem terem aumentado de peso? Aconteceu contigo? 

Este fenómeno tem explicação e não se resume apenas ao envelhecimento.

Para muitas de nós, o aumento da gordura abdominal parece surgir do nada, como se a barriga aparecesse de um dia para o outro, mesmo sem qualquer mudança na alimentação ou na rotina de exercício. E quando tentamos contrariar esta tendência com mais uma “dieta”, perder gordura na barriga parece uma missão quase impossível, e todo o processo é muitas vezes frustrante e desanimador. Também sentes isso?

Perder gordura abdominal depois dos 40 anos não é tão simples como apenas comer menos e fazer mais exercício. Exige estratégia! É claro que uma alimentação com excesso de calorias e o sedentarismo contribuem para o ganho de peso. No entanto, existem outros fatores tão ou mais importantes, nomeadamente as alterações hormonais que ocorrem durante a transição para a menopausa.

Antes de explicar que alterações são estas, vamos primeiro analisar o papel da gordura corporal, o que é a gordura visceral e a diferença entre homens e mulheres quanto à sua distribuição.

Para que serve o tecido adiposo?

Apesar de não gostarmos de ouvir falar em “tecido adiposo”, “massa gorda” e “gordura corporal”, a verdade é que o tecido adiposo desempenha papéis importantes, como:

  • ARMAZENAMENTO DE ENERGIA na forma de triglicéridos: Quando precisamos de energia, esses triglicéridos são decompostos em ácidos gordos e glicerol, que podem ser utilizados pelas células como fonte de energia.
  • ISOLAMENTO TÉRMICO: O tecido adiposo ajuda a manter o corpo quente, atuando como uma camada isolante que impede a perda de calor
  • PROTEÇÃO DOS ORGÃOS INTERNOS contra impactos e traumas
  • REGULAÇÃO HORMONAL: o tecido adiposo regula uma variedade de processos, como o metabolismo energético, a função imunitária e a função neuroendócrina. Por exemplo, o tecido adiposo produz a leptina (a “hormona da saciedade”), que regula o apetite.
  • ARMAZENAMENTO DE VITAMINAS LIPOSSOLÚVEIS (vitaminas A, D, E, K), importantes para várias funções, como a saúde dos olhos, a imunidade, a cicatrização de feridas entre outras.

A gordura corporal é toda igual?

Ter níveis normais de gordura corporal é saudável e desejável, mas a gordura não é toda igual. De acordo com a sua distribuição em diferentes partes do corpo, classifica-se em:

GORDURA SUBCUTÂNEA: é aquela que se encontra logo abaixo da pele, que é visível e palpável. Ou seja, é aquela gordurinha que nos impede de apertar o fecho das calças, ou que acumulamos nas coxas e nádegas. Geralmente, corresponde a 90 a 95% da gordura corporal total e distribui-se de forma mais uniforme pelo corpo. A sua função é essencialmente de reserva de energia, isolamento e proteção e é considerada menos prejudicial do que a gordura visceral.

GORDURA VISCERAL: os outros 5 a 10% correspondem à gordura visceral, que se encontra na cavidade abdominal, ao redor de órgãos como o fígado, o estômago e os intestinos. Embora seja necessária para dar suporte a esses órgãos, o excesso de gordura visceral tem várias implicações para a saúde a longo prazo, que vão além da questão estética.  Durante a perimenopausa, as alterações hormonais e metabólicas favorecem o ganho de gordura visceral. Após a menopausa, essa percentagem sobe para cerca de 15 a 20% da gordura corporal total.

GORDURA ECTÓPICA: é a gordura que está infiltrada nos órgãos como o fígado, o pâncreas e o coração, e também nos músculos. Se já ouviste falar de esteatose hepática conhecida como “fígado gordo”, essa é uma forma de gordura ectópica. Estes depósitos de gordura são muito prejudiciais e estão geralmente ligados a um estilo de vida sedentário. Quando a gordura se infiltra nos músculos e no fígado, pode levar à resistência à insulina. Se atingir o pâncreas, aumenta significativamente o risco de desenvolver diabetes tipo 2.

A gordura extra que notamos na zona da barriga é provavelmente uma combinação de gordura subcutânea e gordura visceral. A gordura subcutânea e a gordura visceral podem acumular-se na mesma área, mas afetam a saúde de formas muito diferentes.

Por que é que a gordura visceral é perigosa? 

Ao contrário da gordura subcutânea que funciona essencialmente como reserva de energia, a gordura visceral é metabolicamente ativa, ou seja, é capaz de produzir hormonas e outras substâncias, nomeadamente proteínas pró-inflamatórias, que estão envolvidas em vários processos metabólicos e inflamatórios. 

O excesso de gordura visceral está associado a diversos problemas para a saúde, nomeadamente:

  • RESISTÊNCIA À INSULINA: A resistência à insulina acontece quando as células do corpo não respondem adequadamente à insulina, uma hormona produzida pelo pâncreas que ajuda a controlar os níveis de glucose no sangue. Isso significa que a glucose não consegue entrar facilmente nas células e permanece elevada no sangue, aumentando o risco de desenvolvimento de diabetes tipo 2. A diabetes tipo 2 é a doença crónica mais comum após a menopausa e é considerada um fator de risco principal para doenças cardiovasculares.
  • AUMENTO DO COLESTEROL E TRIGLICÉRIDOS
  • SÍNDROME METABÓLICO
  • ESTEATOSE HEPÁTICA, conhecida como fígado gordo
  • DOENÇAS CARDIOVASCULARES, como acidente vascular cerebral (AVC) e enfarte agudo do miocárdio, que são a principal causa de morte nas mulheres após a menopausa (sim, sim, são as doenças cardiovasculares!)
  • DIMINUIÇÃO DA MASSA MUSCULAR: A gordura visceral produz substâncias pró-inflamatórias que promovem a degradação muscular.  
  • CANCRO: da mama, do cólon e do endométrio
  • SINTOMAS VASOMOTORES da menopausa (afrontamentos e suores noturnos) mais intensos
  • INSÓNIA, FADIGA E PERDA DE QUALIDADE DE VIDA

O que acontece à gordura corporal durante a perimenopausa? 

Antes da menopausa, a distribuição da gordura corporal é diferente nos homens e nas mulheres. As mulheres tendem a armazenar energia como gordura subcutânea na parte inferior do corpo (ancas, nádegas e coxas), enquanto os homens têm mais probabilidade de armazenar gordura na barriga. 

Na transição para a menopausa, à medida que a função ovárica diminui, a distribuição da gordura corporal nas mulheres altera-se e torna-se mais semelhante à dos homens. A gordura tende a acumular-se na zona da barriga, resultando num formato corporal em “maçã” e, consequentemente num maior risco de desenvolver todos os problemas que acabei de descrever. 

Isto acontece porque, embora os androgénios também diminuam com o avançar da idade, os níveis de estrogénios caem de forma muito mais acentuada na perimenopausa, reduzindo significativamente o rácio estrogénios/androgénios. Como resultado, passamos a ser mais influenciadas pelos androgénios e perdemos os efeitos benéficos dos estrogénios. No fundo, ficamos mais parecidas com os homens…

Um estudo publicado no Journal of Endocrinology and Metabolism em 2021 que avaliou 380 mulheres, mostrou que as mulheres ganhavam gordura na região abdominal a um ritmo mais acelerado nos 3 anos antes e 1 ano após a última menstruação. Por isso, este período é considerado uma janela de oportunidade para atenuar esta trajetória. 

As alterações hormonais são a única razão para o aumento da gordura abdominal na menopausa? 

Há várias razões que tornam mais difícil controlar o aumento da gordura abdominal na menopausa. O stress e os distúrbios do sono, que muitas vezes acompanham esta fase, são dois exemplos. Tanto o stress crónico como a privação de sono podem fazer aumentar os níveis de cortisol (a hormona do stress), o que pode contribuir para a resistência à insulina e para o aumento da gordura abdominal. Além disso, outras alterações hormonais, como disfunções da tiroide – que são bastante comuns nesta etapa da vida – também podem desempenhar um papel.

Como sei se tenho excesso de gordura visceral?

Ter gordura abdominal aumentada, não significa necessariamente que tens excesso de gordura visceral, uma vez que, como vimos anteriormente, a gordura abdominal também pode ser subcutânea.

Existem várias formas de medir a gordura visceral de forma precisa, nomeadamente através da utilização de Tomografia Axial Computadorizada (TAC) e Ressonância Magnética. No entanto, estes exames estão pouco disponíveis e são dispendiosos.

A DEXA (dual x-ray absorptiometry) ou densitometria é um exame que utiliza um tipo particular de Raio-X e é habitualmente utilizado para medir a densidade do osso e no diagnóstico da osteoporose. A DEXA é também capaz de determinar quantidade de massa magra e massa gorda, incluindo a gordura visceral. 

Outra forma, mais acessível de medir a gordura visceral é através de bioimpedância elétrica. Este método envolve a passagem de uma corrente elétrica fraca através do corpo para medir a resistência elétrica dos tecidos. Embora não seja capaz de medir diretamente a gordura visceral, alguns dispositivos de bioimpedância podem fornecer estimativas da quantidade de gordura visceral. Estes aparelhos estão habitualmente disponíveis em consultórios de nutrição, de endocrinologia e ginásios e são um ótimo instrumento para avaliar a composição corporal.

A importância do perímetro abdominal

Apesar de ser menos precisa do que os métodos anteriores, a forma mais simples e prática de medir a gordura visceral é através da medição do perímetro abdominal. 

Segundo várias organizações nacionais e internacionais, como a Fundação Portuguesa de Cardiologia, o perímetro abdominal nas mulheres deve ser inferior a 80 cm. Se for igual ou superior a 88 cm, significa que o risco de desenvolver doença cardiovascular é muito elevado. 

O perímetro abdominal é um indicador de saúde muito mais preciso do que o peso ou o Índice de Massa Corporal isoladamente, uma vez que estes não têm em conta a nossa composição corporal. Ou seja, podemos ter um peso normal e uma aparência magra, mas ter pouca massa muscular e excesso de massa gorda e de gordura visceral.

Este indicador é tão relevante que, em 2020, a International Atherosclerosis Society, em conjunto com a International Chair on Cardiometabolic Risk Working Group on Visceral Obesity, emitiu uma declaração a defender que a medição do perímetro abdominal deve fazer parte da avaliação clínica de rotina e ser até considerada um sinal vital. Já mediste o teu perímetro abdominal?

Como medir o perímetro abdominal em 7 passos 

Na verdade, o perímetro abdominal não é medido na cintura, mas sim na zona do osso da bacia. Vou já explicar como podes fazê-lo de forma correta. 

  1. Remove a roupa na zona da anca e da barriga.
  2. Fica de pé, com os pés juntos e os ombros relaxados.
  3. Encontra o ponto médio entre o topo do osso da bacia e a parte inferior das costelas e coloca aí a fita métrica.
  4. Respira normalmente e ajusta a fita sem apertar demasiado.
  5. Garante que a fita está alinhada à volta do corpo, incluindo as costas.
  6. Mantém-te direita, sem encolher a barriga nem te dobrares para olhar para baixo, para não alterar a medição.
  7. Marca a zona correta com os dedos e verifica a medida.

É possível perder gordura abdominal na menopausa?  

Nesta altura, estás provavelmente a perguntar-te o que podes fazer para reduzir a gordura abdominal – não só para alcançar os teus objetivos de peso, mas também para diminuir o risco de doenças a longo prazo. Embora até possa parecer mais difícil perder gordura abdominal durante a perimenopausa e após a menopausa, a ciência mostra que não tem de ser assim! A sério. A boa notícia? Existem estratégias eficazes que realmente fazem a diferença e não é tão difícil como parece. Descobre como no artigo: “5 estratégias para perder gordura abdominal na menopausa”.

Resumindo

  • Durante a transição para a menopausa, o aumento de gordura abdominal é muito comum, mesmo nas mulheres que não apresentam um aumento significativo de peso.
  • A gordura visceral está associada a vários riscos para a saúde, incluindo resistência à insulina, diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e alguns tipos de cancro.
  • Um perímetro abdominal ≥ 80 cm indica um aumento do risco de doenças cardiovasculares.
  • Além das alterações hormonais, o stress, a falta de sono e outras mudanças no estilo de vida também podem contribuir para o aumento da gordura abdominal.
  • A fase da perimenopausa representa uma janela de oportunidade para prevenir as alterações na composição corporal.

E tu, notas ou notaste aumento de gordura abdominal durante a transição para a menopausa? 

Até breve!

Rita

Fotografia: Márcia Soares

Referências

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Os conteúdos deste site são de caráter informativo e educacional e não substituem o aconselhamento médico individualizado. As informações sobre sintomas, tratamentos, alimentação e exercício físico são generalistas e podem não ser adequadas para todas as mulheres. Para um diagnóstico correto e um tratamento adequado, consulta sempre um médico antes de iniciares qualquer tratamento, incluindo medicamentos, suplementos alimentares, planos de exercício físico, procedimentos médico-estéticos ou outros programas relacionados com a tua saúde.

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