As alterações cognitivas continuam a ser um tema muito pouco discutido quando se fala de perimenopausa, mas são muito mais comuns do que imaginamos.
Eu própria, em 2022, comecei a questionar a minha saúde cognitiva. Sentia-me constantemente desconcentrada, incapaz de me focar em qualquer tarefa por mais de 10 ou 15 minutos. Não conseguia ler duas páginas de um livro sem ter de voltar atrás para reler. Comecei a fazer listas de absolutamente tudo, pois sabia que inevitavelmente me esqueceria de algo. Queria manter uma conversa e, de repente, esquecia-me do que estava a dizer. Sentia-me lentificada e a qualidade do meu trabalho estava a ficar comprometida.
Afinal, era a perimenopausa.
Muitas de vocês pediram-me para abordar este tema, e ninguém melhor do que o Dr. Miguel Miranda, médico neurologista na Unidade Funcional de Neurologia do Hospital de Cascais.
Assisti a uma palestra sua num evento para médicos sobre menopausa e adorei a sua forma de comunicar, bem como a sensibilidade com que trata este tema.
Leiam até ao fim, porque as notícias são boas.
Dr. Miguel Miranda: Porque é que, de repente, esquecemos nomes, perdemos o fio à meada de uma conversa ou temos mais dificuldade em concentrar-nos?
Se está na perimenopausa, é provável que tenha alguma destas queixas – e não está sozinha. Um estudo chinês que incluiu cerca de 4000 participantes estima que 65% das mulheres na perimenopausa tenha queixas de memória e que cerca de 53% tenha dificuldade em concentrar-se, sendo estes alguns dos sintomas que mais incomodam as mulheres nesta fase da vida reprodutiva, a seguir aos afrontamentos.
Estas queixas parecem estar intimamente relacionadas com as oscilações dos níveis de estrogénio, uma hormona que estimula vários recetores cerebrais, com impacto a nível do hipotálamo (responsável pela regulação da temperatura corporal e, por consequência, pelos afrontamentos), a nível da amígdala (influenciando as nossas respostas emocionais) e a nível do hipocampo (fulcral para a nossa memória de curto prazo).
Quais são as principais funções cerebrais afetadas?
Os poucos estudos publicados sobre este tema sugerem que várias funções cerebrais possam estar afetadas na perimenopausa, nomeadamente:
- VELOCIDADE PSICOMOTORA: pode existir uma maior lentidão nas respostas ou movimentos que exijam coordenação entre o cérebro e o corpo;
- MEMÓRIA DE TRABALHO: dificuldade em reter e manipular informações temporariamente, como ao fazer contas de cabeça ou seguir instruções verbais;
- MEMÓRIA VISUAL: esquecimentos relacionados com imagens, locais e rostos;
- ALTERNÂNCIA DE TAREFAS: maior dificuldade em “trocar de canal” entre diferentes atividades cognitivas;
- FLUÊNCIA VERBAL: maior dificuldade em encontrar palavras ou manter a fluência numa conversa.
A boa notícia é que, para muitas mulheres, estas alterações são autolimitadas – ou seja, tendem a melhorar com o tempo, especialmente após estabilização hormonal na fase da pós-menopausa. Contudo, dizem-nos os estudos que as mulheres de raça negra e as mulheres com nível socioeconómico mais baixo são mais suscetíveis a apresentar alterações cognitivas permanentes.
Enquanto neurologista, sinto que não estamos particularmente sensibilizados para as mudanças que o cérebro da mulher vai sofrendo ao longo das várias etapas da sua vida. Graças aos trabalhos da Professora Lisa Mosconi, diretora do Programa de Prevenção de Alzheimer do New York Presbyterian Hospital, hoje acreditamos que, na perimenopausa, exista uma redução da substância cinzenta, acompanhada por alterações na conectividade cerebral (com um diálogo menos eficiente entre diferentes áreas do cérebro).
Acreditamos também que algumas zonas do cérebro possam ter mais dificuldade em obter a energia de que precisam para funcionar corretamente (algo que a Professora Mosconi denomina por crise bioenergética).
Estas alterações são geralmente transitórias. Contudo, nas mulheres com queixas cognitivas que persistem na pós-menopausa, parece existir um risco acrescido de Demência de Alzheimer, com maior deposição de uma proteína tóxica (Aβ-amiloide) a nível do córtex cerebral.
O que posso fazer para proteger o meu desempenho cognitivo?
Partindo do princípio de que estas alterações cognitivas surgem, em parte, pelas oscilações dos níveis de estrogénio, poderia fazer sentido ver na terapêutica hormonal de substituição uma solução para os esquecimentos na peri-menopausa. A verdade é que a evidência científica é altamente contraditória. Por um lado, existem estudos que sugerem uma diminuição do risco de demência com tratamentos hormonais autolimitados em mulheres mais jovens. Por outro lado, existem outros estudos que mostram precisamente o contrário, com um possível aumento do risco de demência, sobretudo quando estas hormonas são utilizadas em mulheres mais velhas.
Caímos, então, na terra de ninguém. Pela falta de evidência robusta, as sociedades científicas não recomendam realização da terapêutica hormonal de substituição para tratamento de queixas cognitivas na peri-menopausa.
Ainda assim, há muito que podemos fazer para mitigar estas queixas e prevenir a progressão para demência. Acreditamos que 45% do risco de desenvolver uma demência resulta do impacto cumulativo de 14 fatores de risco de estilo de vida modificáveis, a maior parte deles fatores de risco cardiovasculares.
Assim, todos aqueles conselhos que ouvimos desde cedo do nosso médico de família ganham mais relevo: devemos praticar exercício físico aeróbio de forma regular, devemos lutar por uma alimentação equilibrada (existindo alguma evidência do benefício da nossa dieta mediterrânica e da suplementação com ácidos gordos de cadeia longa na prevenção das queixas cognitivas associadas ao envelhecimento) e devemos manter o nosso cérebro ativo (jogos de memória, aprender algo novo ou até fazer palavras cruzadas pode ajudar). A higiene do sono é também fundamental para uma boa saúde cognitiva, existindo cada vez mais provas da relação estreita entre “dormir pouco”, “dormir mal” e desenvolver queixas de memória. As alterações do sono são particularmente frequentes na peri e pós-menopausa e, se persistentes, devem motivar uma avaliação numa consulta subespecializada de Medicina do Sono. Da mesma forma, queixas cognitivas acentuadas, persistentes e incapacitantes podem justificar uma consulta de Neurologia.
Interessada em saber mais?
Sugiro a leitura do livro “Menopausa: O seu cérebro em mudança” da autoria da Professora Lisa Mosconi (recentemente traduzido para português).
Dr. Miguel Miranda, Neurologista na Unidade Funcional de Neurologia do Hospital de Cascais
Este tema é realmente fascinante e, sinceramente, algo que eu não tinha dado a devida atenção. A verdade é que o cérebro também é afetado pela perimenopausa e precisa de cuidado e atenção.
E tu, também tens sentido alterações cognitivas nesta fase?
Até breve!
Rita
Fotografia: Márcia Soares