Perguntas e respostas sobre a terapêutica hormonal da menopausa com a Dra. Rita Maia

2 blisters amarelos com comprimidos brancos e comprimidos brancos espalhados num fundo branco.

A terapêutica hormonal da menopausa é, sem dúvida, um hot topic, mas continua a gerar muitas dúvidas e receios. Para esclarecer as questões mais comuns, convidei a Dra. Rita Maia para uma live no Instagram [podes assistir aqui]. Este artigo resume, de forma simples e prática, os principais pontos da nossa conversa.

A Dra. Rita Maia é médica especialista em Medicina Geral e Familiar, formou-se em Portugal e, desde 2017, vive e trabalha em Londres. Mais recentemente, concluiu a formação avançada em menopausa pela British Menopause Society. Tem uma vasta experiência nesta área e uma sensibilidade muito especial para este tema.

Vamos começar com conceitos básicos: o que é, exatamente, a terapêutica hormonal da menopausa?

Dra. Rita Maia: A terapêutica hormonal continua a ser um tema algo enigmático para muitas mulheres e até para alguns profissionais de saúde. Mas, na prática, é bastante simples. Consiste em repor as hormonas que o corpo deixou de produzir naturalmente com a chegada da menopausa: estrogénio, progesterona e, em alguns casos, testosterona. Ou seja, estamos apenas a devolver, a repor aquilo que foi sendo perdido com o tempo. 

A menopausa marca o fim da vida reprodutiva da mulher, definida como um ano completo sem menstruação, e é neste contexto que a terapêutica hormonal pode fazer sentido.

Em que situações é que se utilizam estrogénios isoladamente e quando é que é necessário associar a progesterona? 

Dra. Rita Maia: Quando a mulher ainda tem útero, associamos estrogénios e progesterona. A progesterona tem como função proteger o endométrio (a camada interna do útero). A estimulação apenas com estrogénio pode levar a uma hiperplasia do endométrio, que em alguns casos pode evoluir para cancro. Assim, os estrogénios servem para controlar os sintomas da menopausa e a progesterona, essencialmente, para proteger o útero. Por isso, chamamos de terapêutica hormonal combinada.

Se a mulher já não tem útero, não é necessário associar a progesterona e pode fazer a terapêutica apenas com estrogénios. Neste caso falamos de terapêutica com estrogénios isolados. A exceção são casos de histerectomia para tratamento de estadio 3 e 4 de endometriose, em que, apesar de a mulher já não ter útero, a progesterona deve ser prescrita para prevenir reativação da doença residual. 

E a testosterona, quando se utiliza?

A testosterona só está indicada quando há um diagnóstico de disfunção do desejo sexual hipoativo. Mas, mesmo nesses casos, é importante primeiro repor os níveis de estrogénio durante pelo menos 3 meses. Isto porque o corpo, estando ainda muito ávido de estrogénio, pode converter a testosterona administrada em estrogénios. Portanto, só se considera adicionar testosterona se os sintomas persistirem após esse tempo e se forem confirmados, através de análises, de facto, níveis muito baixos de testosterona.

Uma dúvida que surge muito frequentemente é sobre as hormonas bioidênticas. O que são, exatamente?

Dra. Rita Maia: As hormonas bioidênticas são aquelas que são estruturalmente idênticas às que o nosso corpo produz. São, por isso, melhor reconhecidas e utilizadas pelo organismo. No caso do estrogénio, falamos do 17-beta-estradiol (também conhecido como estradiol) e, no caso da progesterona, da progesterona micronizada. Esta última passou por um processo de micronização, que permite melhor absorção e biodisponibilidade.

Estas terapêuticas são fabricadas pela indústria farmacêutica, têm garantia de pureza e segurança, passam por processos de aprovação pelas autoridades regulamentares e temos garantia de que cada medicamento contém exatamente aquilo que foi estudado nos ensaios clínicos.

Por outro lado, chamo a atenção para as hormonas manipuladas, preparadas em farmácias comunitárias, com combinações de várias hormonas sem estudos robustos que garantam eficácia e segurança. Por isso, preferimos não prescrever. Aliás, as principais sociedades científicas internacionais não recomendam este tipo de formulações manipuladas, precisamente por não termos garantia de segurança.

E por que é que ainda existe tanto receio em relação à terapêutica hormonal da menopausa?

Dra. Rita Maia: Este receio vem, sobretudo, do impacto de um estudo chamado Women’s Health Initiative (WHI), publicado em 2002. Foi um estudo muito relevante, com 16 mil mulheres, de longa duração, mas com vários problemas metodológicos. Para começar, usaram hormonas sintéticas, em doses fixas elevadas e numa população com uma média de idades de 63 anos. Ou seja, mulheres que já estavam há muitos anos na menopausa. Os resultados iniciais sugeriram um aumento no risco de cancro da mama e de eventos cardiovasculares, o que gerou enorme alarme e receio, que de alguma forma, ainda persiste. 

Contudo, análises posteriores mostraram que, em mulheres mais jovens, até aos 60 anos ou com menos de 10 anos desde a menopausa, estes riscos eram bastante reduzidos e os benefícios da terapêutica hormonal bem evidentes, sobretudo ao nível da saúde óssea, cardiovascular e do bem-estar geral. No caso das mulheres que só fizeram estrogénio, na verdade, o risco de cancro da mama até estava reduzido. Houve uma grande precipitação na interpretação deste estudo. 

Hoje em dia, também temos disponíveis hormonas transdérmicas [aplicadas na pele], que nos oferecem uma segurança muito maior em termos de risco tromboembólico, que é significativamente mais reduzido.

E quais são hoje as recomendações oficiais das sociedades médicas e científicas?

Dra. Rita Maia: Que podemos e devemos indicar a terapêutica hormonal em mulheres que têm sintomas, sendo os benefícios mais significativos quando iniciada até 10 anos após a menopausa. Além disso, é eficaz na prevenção e tratamento da osteoporose, na redução do risco de fraturas, e na melhoria da saúde cardiovascular, genitourinária e sexual. Nós não podemos subestimar estes benefícios. Portanto, se iniciada na altura certa, temos imensas vantagens.

Sabemos que, nas mulheres sem útero, que fazem terapêutica com estrogénios isolados, até estamos a proteger do cancro da mama, algo que ainda surpreende muitas pessoas, incluindo alguns médicos.

Em que casos é que a terapêutica hormonal da menopausa está indicada? É para todas as mulheres? Quais são as indicações formais?

Dra. Rita Maia: De acordo com as orientações atuais, a principal indicação para a terapêutica hormonal são os sintomas vasomotores, que são afrontamentos e suores noturnos, moderados a severos. Esta é a principal indicação.

Também está indicada em situações de insuficiência ovárica prematura, ou seja, quando a menopausa ocorre antes dos 40 anos. Nestes casos, prescrevemos terapêutica hormonal para repor os níveis de hormonas que naturalmente estariam presentes até à idade esperada da menopausa, mesmo que a mulher não tenha sintomas, porque o objetivo é proteger a saúde a longo prazo.

Além disso, a terapêutica hormonal é uma excelente opção no tratamento e prevenção da osteoporose, reduzindo o risco de fraturas. Por isso, não se limita apenas ao alívio dos sintomas, mas traz benefícios adicionais na saúde óssea, na melhoria da saúde cardiovascular (quando iniciada até 10 anos após a menopausa ou antes dos 60 anos), saúde genitourinária e sexual.

Além do tratamento dos sintomas vasomotores e da prevenção da osteoporose e das fraturas, existem outros benefícios em fazer a terapêutica hormonal?

Dra. Rita Maia: Sim, temos uma redução do risco cardiovascular, que é muito importante e não deve ser subestimado. Além disso, há uma melhoria da função genitourinária, que é uma das queixas mais frequentes na maioria das mulheres. Mas também melhoria do sono, humor, manutenção da força muscular, reduz o risco de alguns cancros (como colorretal, ovárico, endometrial), benefícios para saúde sexual e melhoria da qualidade de vida a longo prazo.

Pode explicar-nos o que é o síndrome geniturinário da menopausa?

Dra. Rita Maia: Quando as mulheres começam a desenvolver sintomas de perimenopausa ou menopausa, uma das queixas mais comuns é a atrofia vaginal o que significa que a mulher sente secura e desconforto vaginal. Existem também alterações do pH, diminuição do fluxo sanguíneo e mudanças na microbiota local, ficando mais predisposta a infeções urinárias. Muitas vezes há dor nas relações sexuais e, em alguns casos, desconforto muito significativo mesmo sem atividade sexual.

O tratamento pode ser feito com hormonas sistémicas, ou seja, pela pele ou via oral, mas para este síndrome usamos, sobretudo, terapêutica hormonal tópica ou local, em creme, óvulos ou comprimidos vaginais diretamente aplicados na vagina.  Eu costumo explicar às senhoras que é como aplicar um hidratante, mas neste caso é uma hormona que restaura o fluxo sanguíneo, melhora a hidratação e devolve a espessura normal da mucosa. 

Quanto mais cedo começarmos a tratar, melhor. O síndrome geniturinário é crónico e progressivo; se esperarmos muito, o controlo dos sintomas torna-se mais difícil. Mesmo mulheres que já fazem terapêutica sistémica geralmente beneficiam do tratamento local porque queremos mesmo atuar na zona onde existem sintomas. A absorção para a circulação é mínima e não aumenta os riscos sistémicos. Quanto mais cedo tratarmos, melhor.

E quem é que não pode fazer terapêutica hormonal?

Dra. Rita Maia: As contraindicações absolutas são poucas, mas importantes:

  • Hipertensão arterial não controlada
  • Cancro da mama ativo ou antecedentes pessoais de cancro da mama
  • Cancro do endométrio
  • Hemorragia uterina anómala não estudada;
  • Doença hepática ativa;
  • Trombofilias,  trombose venosa profunda ou embolia pulmonar ativas;
  • Se houver um nódulo na mama ou lesão suspeita, é fundamental esclarecer primeiro antes de iniciar a terapêutica. 

E os antecedentes familiares de cancro da mama? São uma contraindicação?

Dra. Rita Maia: Não, não são uma contraindicação absoluta. O que fazemos é avaliar caso a caso e pensar em algumas questões, como: qual o grau de parentesco da pessoa que teve cancro da mama; se é a mãe, em que idade teve cancro (antes dos 40 ou depois); se existem outros familiares com cancro da mama e em que idades tiveram. Consideramos estes e outros aspetos e, a partir daí, avaliamos em conjunto a relação risco-benefício.

Aquilo que nós fazemos é explicar quais são as opções. Primeiro, temos de saber se vamos precisar de terapêutica hormonal combinada —  estrogénio e progestativo. E depois, temos de explicar à mulher qual é, de facto, o risco. Qual é o risco de base dessa mulher? Se tem um risco aumentado, então avaliamos se é aceitável ou não, mediante os sintomas que tem, aumentar ligeiramente esse risco. E, para muitas pessoas, isto faz todo o sentido, porque o risco-benefício, por norma, pesa mais para o benefício do que para o risco.

Depois, a maioria das pessoas não tem história familiar de cancro da mama antes dos 40. Portanto, se não têm familiar de primeiro grau com cancro da mama antes dos 40, o risco é muito reduzido. E, portanto, aí é mesmo uma decisão caso a caso — risco-benefício. Por exemplo, recebo muitas mulheres muito preocupadas: “tenho um fibroadenoma”, “tenho quistos da mama”, etc. Isso não é contraindicação à terapêutica hormonal. 

O que é que nós preconizamos? Preconizamos que as mulheres tenham o seu rastreio em dia, obviamente. Porque o que pode acontecer — vamos supor: nunca fez mamografia, já está em idade de fazer mamografia, mas nunca fez — é que possa haver uma pequena lesão que vamos estimular com a terapêutica hormonal. Mas isso é muito raro, porque a maioria das mulheres, de facto, quando pondera fazer terapêutica hormonal já tem os seus rastreios em dia: a citologia, a mamografia…

Portanto, quando começamos a consulta, vamos rever tudo isso. Devemos entender o risco e o benefício e, depois, decidir caso a caso.

Um dos grandes receios associados à terapêutica hormonal é, precisamente, o risco de cancro da mama. Pode ajudar-nos a compreender qual é, afinal, a magnitude desse risco e como é que ele se compara com outros fatores, como os relacionados com o estilo de vida?

Dra. Rita Maia: Gosto sempre de colocar em perspetiva e existe uma infografia muito útil da British Menopause Society que ajuda a perceber [podes consultar aqui] .

  • Entre mulheres de 50 a 59 anos, 23 em cada 1.000 terão diagnóstico de cancro da mama, mesmo sem fazer terapêutica hormonal
  • Com terapêutica combinada (estrogénio + progesterona), acrescentam-se 4 casos por 1.000
  • Com estrogénio isolado (em mulheres sem útero), temos menos 4 casos por 1.000 — ou seja, até pode ser protetor.

Se compararmos com outros fatores, como o estilo de vida:

  • Pílula contracetiva combinada acrescenta 4 casos por 1.000 
  • Obesidade (IMC≥30) acrescenta 24 casos por 1.000
  • Consumo de álcool (≥2 unidades diárias) acrescenta 5 casos por 1.000
  • Tabagismo ativo acrescenta 3 casos por 1.000
  • Exercício físico regular (≥ 2h30 por semana) reduz 7 casos por 1.000

Por isso, continuo a achar que é fundamental esclarecer, mas também contextualizar — comparando com outras situações e com o estilo de vida. Muitas vezes, as pessoas acabam por não iniciar terapêutica hormonal por receios infundados, mas não deixam, por exemplo, de beber álcool ou de fumar, comportamentos que, na verdade, representam riscos mais relevantes.

Também costumo lembrar que a pílula anticoncecional, que muitas mulheres tomam durante anos, acarreta um risco semelhante ao da terapêutica hormonal da menopausa, e raramente se discute o risco de cancro da mama na altura de a iniciar. Além disso, é importante lembrar que a pílula contém doses de hormonas quase três vezes superiores às da terapêutica hormonal, na qual usamos sempre a dose mínima eficaz para controlar os sintomas.

Já que estamos a falar de pílula, uma dúvida muito comum é: quando é que se deve interromper a pílula e iniciar a terapêutica hormonal da menopausa? Ou por que é que não se continua simplesmente com a pílula?

Dra. Rita Maia: Esta é uma das perguntas mais frequentes em consulta. O que costumo fazer é avaliar todo o contexto da mulher: se tem sintomas, como são esses sintomas — se são leves, moderados ou severos — e, algo essencial, se ainda há necessidade de contraceção.

Se a mulher precisa de contraceção e está a usar a pílula, sente-se bem com ela e não existem contraindicações, não vejo problema em manter até aos 50 anos. Se a tensão arterial está controlada, o índice de massa corporal é adequado e não há outros fatores de risco, apesar de a pílula conter hormonas sintéticas em doses superiores às da terapêutica hormonal, pode ser mantida.

No entanto, por norma, suspendo a pílula combinada aos 50 anos, pois a contraceção hormonal combinada está contraindicada a partir dessa idade, devido ao aumento do risco tromboembólico. (Podemos manter, por exemplo, apenas um progestativo até aos 55, dependendo do caso.)

O que costumo propor em consulta é uma transição progressiva: se ainda for necessário manter a contraceção, sugiro substituir a pílula combinada tradicional (que contém etinilestradiol, um estrogénio sintético) por uma opção com estradiol, mais próxima da terapêutica hormonal bioidêntica. Embora continuem a ser pílulas, eu gosto de fazer esta transição e, mais tarde, se necessário terapêutica hormonal.

Esta abordagem tem funcionado muito bem — as mulheres habituam-se mais à ideia do estradiol, reduzimos os riscos porque o estradiol é mais semelhante ao estrogénio produzido pelo nosso organismo e, por norma, tem muito bons resultados. 

Se, por outro lado, já não for necessária contraceção, podemos interromper a pílula e aguardar para ver se a menstruação ainda ocorre, o que nos ajuda a perceber em que fase da transição a mulher se encontra. Se houver sintomas, conversamos então sobre iniciar a terapêutica hormonal da menopausa.

Neste caso, geralmente conseguimos um melhor controlo dos sintomas, com doses mais baixas e o uso de hormonas bioidênticas, o que nos dá maior segurança e tranquilidade.

E quem tem o DIU hormonal, como faz essa transição?

Dra. Rita Maia: Nestes casos, temos de pensar se o DIU foi colocado para contraceção ou como parte da terapêutica hormonal da menopausa.

Se foi colocado para contraceção, pode manter-se até 8 anos, está autorizado para isso.

Mas se a mulher tem sintomas e vamos prescrever estrogénios como parte da terapêutica hormonal, então só está autorizado por 5 anos para garantir a proteção do endométrio. Isto é muito importante e gera muita confusão. Muitas vezes dizem-me em consulta: “Disseram-me que posso manter o Mirena 8 anos…” Sim, para contraceção, sim. Mas para usar com estrogénios, como parte da terapêutica hormonal, só está aprovado para 5 anos.

Ou seja, se o DIU hormonal está colocado há menos de 5 anos, pode manter-se. Se está há mais de 5 anos, deve ser substituído por um novo. Não precisa de suspender ou ser retirado completamente, pode ser apenas substituído por um novo.

E muitas mulheres têm o DIU hormonal para controlar hemorragias uterinas (seja por irregularidades ou fluxos menstruais abundantes). Nestes casos, temos não só esse controlo das hemorragias anómalas, mas também nos oferece contraceção e proteção do endométrio necessária se for iniciada terapêutica com estrogénios. Portanto, o DIU hormonal é uma ótima opção e pode ser mantido, desde que dentro do prazo de 5 anos, quando usado em associação com estrogénios.

Em suma, não é necessário retirar o DIU hormonal se ele tiver menos de 5 anos — pode manter-se. Mas se for usado como parte da terapêutica hormonal, deve ser substituído ao fim de 5 anos, mesmo que esteja autorizado para contraceção até aos 8 anos.

Existe uma duração recomendada para a terapêutica hormonal? Quando é que está recomendado começar e quando é que se deve terminar?

Dra. Rita Maia: Relativamente à terapêutica hormonal, deve ser iniciada quando a mulher apresenta sintomas — mais concretamente, sintomas vasomotores moderados ou severos. É nestas situações que está indicada a terapêutica hormonal.

Quanto ao término, não existe uma altura pré-estabelecida para suspender o tratamento. Aquilo que fazemos é avaliar os riscos e os benefícios. Cada mulher é reavaliada ao fim de 3 meses após o início da terapêutica e, depois disso, anualmente. Nessas consultas avaliamos a tensão arterial, o índice de massa corporal e fazemos uma reavaliação geral da saúde.

Aquilo que eu defendo é o seguinte: se a mulher está a fazer terapêutica hormonal, com os sintomas controlados e com a menor dose possível eficaz, vamos mantendo e reavaliando anualmente.

Sabemos que existem benefícios claros nos primeiros 10 anos após a menopausa, nomeadamente ao nível do risco cardiovascular, da proteção óssea, melhoria do sono e humor, diminuição de dores articulares, melhoria da mobilidade, benefícios para saúde urogenital e sexual e melhoria da qualidade de vida a longo prazo que é sempre relevante. Portanto, se ao longo do tempo não houver alterações no estado de saúde ou novos fatores de risco, podemos continuar a terapêutica. Se, por outro lado, houver alguma alteração da história médica desta mulher, aconteceu alguma coisa entretanto, houve alguma situação que se tenha alterado, vamos voltar a avaliar a relação risco-benefício. Se ainda tem vantagens, ótimo. Vamos manter. 

Às vezes, aquilo que acontece é que os sintomas podem durar 7, 10 anos. Nestes casos, tentamos reduzir a dose e ver como é que a mulher se sente. Se os sintomas forem menos intensos e a dose mais baixa continua a ser eficaz, então começamos a reduzir gradualmente.

Não existem muitos estudos sobre a melhor forma de suspender a terapêutica hormonal, mas os que há indicam que deve ser feita de forma gradual, para prevenir a recorrência dos sintomas. É isso que a British Menopause Society também recomenda — e é essa a abordagem que seguimos.

Na prática, esta redução gradual ajuda bastante. Muitas vezes, a própria pessoa percebe: “Já estou a reduzir, continuo com os sintomas controlados e não estou a sentir grandes alterações.” Isso é um bom sinal — provavelmente, já não tem tantos sintomas, e conseguimos então suspender a terapêutica de forma tranquila.

Uma dúvida muito comum é se existe uma idade para suspender a terapêutica hormonal ou se há um limite a partir do qual é necessário parar. Julgo que ainda persiste a ideia de que só se pode fazer durante 5 anos.

Dra. Rita Maia: Não há um limite arbitrário, não há uma data em que se diga: “a partir daqui tem mesmo de parar”. Também não acho que a melhor opção seja manter até aos 90 anos, claro — não é disso que se trata. Mas, de facto, é uma decisão caso a caso. E as orientações da British Menopause Society são muito claras nesse sentido: o importante é avaliar riscos e benefícios e chamar a atenção para a importância de uma redução gradual, sem interrupções abruptas.

Voltando ao tema da relação entre a terapêutica hormonal e cancro. A terapêutica hormonal influencia o desenvolvimento de outros tipos de cancro, além do cancro da mama? E está contraindicada para quem já teve cancro colorretal?

Dra. Rita Maia: Não, não está contraindicada para o cancro colorretal. Aliás, os dados da Women’s Health Initiative mostraram uma redução da incidência de cancro colorretal nas mulheres que faziam terapêutica hormonal. Agora, é importante esclarecer que este estudo foi feito em mulheres na pós-menopausa e não especificava se havia antecedentes pessoais de cancro colorretal. Mas com base nos dados disponíveis, não há contraindicação formal e podemos tranquilizar as mulheres nesse sentido.

Onde devemos ter mais cuidado é no caso do cancro do endométrio. Se a mulher tem antecedentes como de ablação etc., a história médica tem de ser muito bem avaliada. Nesses casos, é fundamental usar a progesterona micronizada, ou seja, a forma mais natural e segura que temos disponível. O objetivo é proteger adequadamente o endométrio quando damos estrogénios.

No fundo, quando usamos o estrogénio e a progesterona na sua forma bioidêntica, estamos apenas a repor hormonas que naturalmente diminuíram, tentando manter níveis tão próximos quanto possível dos fisiológicos. Por exemplo, durante a gravidez os níveis de estrogénios são muito mais altos do que os que usamos na terapêutica hormonal — especialmente no terceiro trimestre. O tipo de estrogénio pode ser diferente, mas o corpo da mulher está habituado a lidar com variações hormonais.

Agora, voltando à pergunta inicial, penso que o grande receio das mulheres é o cancro da mama, e esse já desmistificámos: o estilo de vida tem um impacto muito mais significativo do que a terapêutica hormonal. Para os outros tipos de cancro, o mesmo se aplica. O estilo de vida — obesidade, tabagismo, consumo de álcool — tem um peso muito maior. E, se me perguntarem: “Então, como posso prevenir o cancro?”, a resposta passa sempre por: exercício físico, alimentação equilibrada, evitar o tabaco e o álcool e manter um peso saudável.

A consulta de menopausa é, por isso, uma oportunidade única para orientar estas mulheres e mostrar que este é o início da segunda metade da vida e que há muito que podemos fazer para que seja uma fase com mais saúde e anos de vida com qualidade. 

Pode então dizer-se que a menopausa é uma oportunidade para repensar hábitos e saúde?

Dra. Rita Maia: Sem dúvida. É o início da segunda metade da vida e um momento ideal para implementar mudanças. A consulta de menopausa é uma oportunidade para falar sobre exercício, alimentação, sono, saúde mental e prevenção de doenças. A mulher pode não só tratar sintomas, mas melhorar a sua qualidade de vida de forma global e sustentável.

A terapêutica hormonal pode ajudar a minimizar os efeitos da menopausa na pele, como a desidratação e a perda de colagénio, e também no cabelo, nomeadamente o seu afinamento? Pode ter utilidade em casos de alopécia?

Dra. Rita Maia: Aquilo que temos muito bem estabelecido é que, de facto, há alterações na altura da menopausa e isso está perfeitamente claro. Agora, relativamente ao impacto da terapêutica hormonal e até que ponto tudo isso melhora, sabemos que, no geral, sim, há melhorias. Mas temos muito poucos estudos. E isso é um problema transversal à saúde da mulher: temos poucos estudos sobre muitos aspetos da saúde da mulher.

Em relação à terapêutica hormonal, os estudos estão mais centrados nos sintomas e no risco cardiovascular, na osteoporose, etc. Mas, na prática clínica, vemos que as pessoas melhoram muito. O cabelo melhora, a ansiedade melhora… os sintomas no geral. 

Muitas chegam com queixas de alopécia, de eflúvio telógeno. E eu costumo explicar: pode estar relacionado com as alterações hormonais — mas pode não estar. Por isso, tentamos sempre investigar outras causas.

E, em relação ao cabelo, costumo explicar que as alterações hormonais são muito importantes, mas há uma tríade. Eu digo sempre “healthy body, health mind, healthy scalp”. O corpo, a medicação que a pessoa possa estar a tomar e a saúde mental. E, agora no pós-Covid, vimos um grande impacto na queda de cabelo. Temos muitas mulheres com queixas relacionadas com isso.

Voltamos sempre ao mesmo: a história clínica é fundamental. Porque quando começamos a “descascar a cebola”, a perceber camada por camada, vemos que é quase sempre multifatorial. Mas, regra geral, com a terapêutica hormonal há uma melhoria global. Se vai voltar ao que era antes? Provavelmente não completamente. Mas, no geral, melhora.

Outra dúvida, que é mesmo muito comum é se é preciso esperar até estar na menopausa para iniciar a terapêutica hormonal? Ou seja, é preciso sofrer e aguentar até passar um ano desde a última menstruação para poder começar o tratamento?

Dra. Rita Maia: Não, não. De todo. Quanto mais cedo começarmos a tratar os sintomas, melhor será a qualidade de vida, melhores os efeitos em termos de risco cardiovascular e proteção óssea — temos imensas vantagens.

Primeiro, devemos ouvir a pessoa à nossa frente. Se nos diz que tem sintomas — está com 40, 43, 44 anos — devemos ajudá-la a controlar esses sintomas. É essencial acreditarmos na mulher que está à nossa frente. 

Aquilo que vejo nas consultas são mulheres muito desesperadas, que já foram a três, quatro médicos, e ouviram: “Ah, é muito jovem. Não, não pode ser.” E isso, para as mulheres, é mesmo desolador. Ficam muito desanimadas e pensam que o problema está nelas. Quando, na verdade, o que está a acontecer é algo absolutamente natural, mas que não está a ser reconhecido como parte das manifestações da menopausa.

Não devemos desvalorizar. Devemos ouvir, apoiar. Para muitas mulheres, é apenas uma transição, suave. Para outras, pode ser uma altura mais difícil, até psicologicamente. Por isso, recomendo começar o tratamento ainda na perimenopausa. Quanto mais cedo conseguirmos controlar os sintomas, mais vantagens temos. E mais fácil será também trazer a mulher para todas as outras mudanças de estilo de vida — porque, ao sentir-se ouvida e notar melhorias, vai confiar no profissional de saúde e aceitar melhor conselhos sobre exercício físico, controlo do peso, não fumar, não beber álcool…

Pode e deve iniciar-se tratamento na perimenopausa — é isso que as guidelines recomendam. Os fármacos atualmente disponíveis são seguros e o que estamos a fazer é devolver ao corpo as hormonas que naturalmente estão a diminuir. Nesse sentido, podemos — e devemos — apoiar as mulheres já nesta fase de transição.

Como saber se certos sintomas “estranhos” estão mesmo relacionados com a perimenopausa? Quando começo a sentir um conjunto de alterações, como é que percebo se é a perimenopausa ou outra situação?

É muito desafiante. Porque, quando tenho o puzzle completo, consigo encaixar as peças e rapidamente dizer à mulher à minha frente: “Tendo em conta todas estas peças, o puzzle parece-me, de facto, ser relativo à perimenopausa ou à menopausa.” Mas eu tenho sempre o cuidado de fazer uma boa história médica. Tento perceber, por exemplo, se a função tiroideia está normal, se a tensão arterial está dentro dos limites normais, se há outros parâmetros a ter em conta.

Se houver alguma peça que não encaixe — e a mulher possa ter outro motivo para apresentar aqueles sintomas — faço o diagnóstico diferencial. Às vezes aprofundo com mais investigações e tento perceber: será que estou a esquecer-me de alguma coisa que também possa estar a causar isto?

Mas, quando começo a analisar o questionário de sintomas — que por norma entrego antes, para no dia da consulta ter mais tempo para me debruçar sobre as questões que a pessoa traz — começo a perceber o puzzle. E o puzzle começa a encaixar.

Se houver um desses sintomas que é um bocadinho “outlier”, que não está tão bem estudado, eu acredito na mulher. Acredito na pessoa que está à minha frente e que me diz: “Eu tenho este sintoma.” Pode não estar bem estudado ou reportado, mas isso não significa que ela não o esteja a viver. Pode perfeitamente estar.

A questão aqui é ouvir a mulher, acreditar nas queixas. E se todos os restantes sintomas parecem estar relacionados com a perimenopausa, se há irregularidades menstruais (ou não), e temos tudo alinhado… muitas vezes decidimos iniciar um tratamento. Podemos fazer 3 meses de terapêutica hormonal, com a dose mais baixa que controla os sintomas. Se, ao fim desse tempo, os sintomas melhorarem, eu sei que estavam relacionados com a perimenopausa ou a menopausa.

E isso é perfeitamente aceitável, tendo em conta que estamos a ouvir a mulher, a explicar riscos e benefícios. E, se ela melhorar, estamos a melhorar a sua qualidade de vida. Estamos a mostrar que acreditamos nela. E ela sente-se melhor.

Mesmo quando há sintomas um pouco mais “estranhos”, que não se encaixam logo, uma boa história clínica — perceber como foi a menopausa da mãe, por exemplo — acaba por nos guiar na direção certa.

No fundo, é isso: acreditar na mulher. Estar ao lado da pessoa para ajudá-la.

Que conselhos daria a uma mulher que tem muito medo da terapêutica hormonal, mas está a sofrer com sintomas?

Diria que a terapêutica hormonal está estudada. Temos ensaios clínicos randomizados — palavras que às vezes soam estranhas, mas o que é que isto quer dizer? Que temos estudos robustos, de longa duração, com 5, 10 anos de seguimento. E que hoje usamos hormonas que são mais próximas das que o nosso organismo produz.

Temos evidência científica que nos dá essa segurança, essa eficácia, essa confiança de que a ciência está a trabalhar a nosso favor. Não se trata apenas do que um médico sugeriu ou do que uma mulher sentiu — estamos a falar de estudos grandes, com 10 mil, 16 mil participantes. Estudos sólidos que sustentam aquilo que as guidelines atuais nos dizem. E o que vemos é que essas recomendações não estão a recuar. Pelo contrário: estão a reforçar a importância de tratarmos as mulheres e de lhes garantirmos qualidade de vida.

E aqui, mais uma vez, a consulta é central. Fazer uma boa história clínica, perceber bem os sintomas daquela mulher, discutir riscos e benefícios com clareza, e ajudar a esclarecer as dúvidas. Perguntar: Por que é que está preocupada? E explicar, ponto por ponto, cada uma dessas preocupações.

Depois de informada — estes são os riscos, estes os benefícios — a mulher pode avaliar: com os sintomas que tenho neste momento, estou disposta a aceitar este pequeno risco? Se sim, então seguimos. E reforçamos: Ok, nesse caso vamos reforçar o rastreio disto, prestar atenção à alimentação, rever anualmente a terapêutica…

Fazemos tudo de acordo com as recomendações. E isso dá segurança. A mulher sente que está a tomar uma decisão consciente, que está a ser acompanhada. E se for preciso ajustar a dose, rever a abordagem, nós estamos lá para isso.

Acho que isso é fundamental: escolher um profissional em quem confia, alguém que esteja verdadeiramente ao seu lado. Alguém que escute, que esclareça, que apresente os dados, que discuta riscos e benefícios com base na evidência. E depois, sim, decidirem juntas.

A decisão final será sempre da mulher — mas com apoio científico. Não é apenas uma opinião. É uma escolha feita com base em estudos, em dados concretos, em recomendações internacionais atualizadas. Isso dá-nos, enquanto médicos, segurança. E dá às mulheres a tranquilidade de saber que estão a tomar decisões informadas e sustentadas na melhor evidência disponível.

Muito obrigada Dra. Rita Maia pela forma tão generosa com que partilha o seu conhecimento e experiência!

Até breve!

Rita

Fotografia: Márcia Soares

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Os conteúdos deste site são de caráter informativo e educacional e não substituem o aconselhamento médico individualizado. As informações sobre sintomas, tratamentos, alimentação e exercício físico são generalistas e podem não ser adequadas para todas as mulheres. Para um diagnóstico correto e um tratamento adequado, consulta sempre um médico antes de iniciares qualquer tratamento, incluindo medicamentos, suplementos alimentares, planos de exercício físico, procedimentos médico-estéticos ou outros programas relacionados com a tua saúde.

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