A terapêutica hormonal é, sem dúvida, um tema que continua a gerar muita confusão e permanece associado a ideias erradas e receios antigos, muitos dos quais já não têm fundamento à luz do conhecimento científico atual.
Para ajudar a esclarecer estas dúvidas, convidei a Dra. Rita Maia, médica de medicina geral e familiar, com formação avançada em menopausa pela British Menopause Society e vasta experiência no acompanhamento de mulheres nesta fase da vida.
Para além das suas competências técnicas, a Dra. Rita Maia é verdadeiramente apaixonada pela saúde da mulher e tem uma abordagem informada, empática e prática, exatamente o que precisamos para descomplicar este tema.
Neste artigo, a Dra. Rita Maia faz uma breve contextualização histórica da terapêutica hormonal, esclarece a posição das sociedades médicas, deixa um alerta importante relativamente a algumas práticas e, acima de tudo, transmite uma mensagem de otimismo e esperança.
Dra. Rita Maia: A menopausa é o período de transição entre a fase reprodutiva e não reprodutiva da vida da mulher. Se para algumas mulheres é quase impercetível, para outras pode ser uma verdadeira tempestade de sintomas que pode durar anos.
Segundo a British Menopause Society, os sintomas vasomotores, como os afrontamentos e os suores noturnos com uma duração média de 7 anos, afetam cerca de 75% das mulheres. Estes sintomas podem ser graves em 29% das mulheres, e até 42% das mulheres entre os 60 e 65 anos podem continuar a senti-los.1
Apesar de ser uma fase natural da vida, o sofrimento causado por alguns dos sintomas não deve ser normalizado nem aceite — há soluções seguras, eficazes e adaptadas a cada mulher. Viver com qualidade durante a menopausa é um direito.
A terapêutica hormonal continua a ser a abordagem mais eficaz para o alívio dos sintomas mas, infelizmente, ainda está envolta em vários mitos e receios tornando o acesso a esta terapêutica tão difícil.
Um passado que deixou marcas: o estudo WHI
Muitas mulheres ainda ouvem, em 2025, que “a terapêutica hormonal causa cancro da mama” ou que “é melhor aguentar”. Esta ideia tem raízes num estudo publicado em 2002 — o famoso WHI (Women’s Health Initiative) —, que associou a terapêutica hormonal a um aumento do risco de cancro da mama e de eventos cardiovasculares. O impacto foi avassalador: médicos deixaram de prescrever, mulheres deixaram de tomar, e o medo instalou-se.
Mas sabemos hoje que a interpretação inicial desses dados foi, no mínimo, precipitada. O WHI foi realizado maioritariamente em mulheres com idade média de 63 anos — ou seja, bem depois da janela ideal para início da terapêutica. Estudos mais recentes mostraram que, para mulheres com menos de 60 anos ou com menos de 10 anos desde a última menstruação, têm riscos significativamente mais baixos e os benefícios podem ser enormes. Infelizmente, muitos profissionais continuam presos a esses dados antigos, desatualizados e fora de contexto.
Do outro lado do espectro: o culto da juventude
Se, por um lado, ainda há quem negue os benefícios da terapêutica hormonal, por outro, assistimos ao crescimento de um discurso que promove a terapêutica hormonal como um “elixir da juventude” prescrevendo formulações manipuladas, implantes hormonais e doses elevadas de testosterona, muitas vezes sem uma base científica sólida ou fora das recomendações das sociedades médicas.
Esta medicalização da menopausa, vendida como promessa de vitalidade eterna, não só é enganadora como pode ser perigosa. Não é isso que a medicina baseada na evidência defende. E não é isso que as mulheres merecem.
O que dizem, afinal, as sociedades científicas?
A boa notícia é que temos hoje diretrizes claras e atualizadas. Em Portugal, o Consenso Nacional sobre Menopausa 2021, publicado pela Sociedade Portuguesa de Ginecologia, está alinhado com as recomendações de entidades como a International Menopause Society (IMS), a European Menopause and Andropause Society (EMAS) e a British Menopause Society (BMS). Estas organizações reconhecem que:
- A terapêutica hormonal é o tratamento mais eficaz para os sintomas vasomotores (afrontamentos, suores noturnos) e para a síndrome geniturinária da menopausa.
- Quando iniciada antes dos 60 anos ou até 10 anos após a menopausa, os benefícios superam largamente os riscos na maioria das mulheres.
- A terapêutica hormonal tem também benefícios a nível da densidade óssea, da qualidade do sono, da saúde mental e, em alguns casos, até da função cognitiva.
- É recomendada uma avaliação personalizada de cada mulher — com uma escolha criteriosa da dose, da via de administração (oral, transdérmica, vaginal), da duração e da vigilância ao longo do tempo.
Como médica, é frustrante ouvir histórias de mulheres que foram desencorajadas ou até culpabilizadas por quererem sentir-se melhor. Mas também é encorajador ver cada vez mais profissionais a atualizarem-se e a procurarem formação nesta área.
Este movimento é essencial. As mulheres hoje estão informadas, atualizadas e esperam da classe médica uma resposta eficaz; e com toda a razão. Merecem ser ouvidas, respeitadas e ter acesso a cuidados médicos de qualidade, livres de preconceitos e baseados na melhor evidência disponível.
Conclusão: Personalizar o tratamento com base na evidência disponível
A menopausa não precisa de ser sinónimo de sofrimento, nem de ser tratada como uma doença. Mas também não deve ser ignorada ou romantizada. A terapêutica hormonal não é para todas, nem é obrigatória — mas deve ser uma opção disponível, discutida de forma aberta, segura e esclarecida, entre a mulher e o seu médico.
Apesar das vozes ruidosas, há espaço para uma medicina que escuta, que explica e que acompanha. Uma medicina que respeita a ciência — e também a mulher à nossa frente.
Dra. Rita Maia, Médica de Medicina Geral e Familiar com formação em Menopausa pela British Menopause Society (Ordem dos Médicos 49521).
Obrigada Dra. Rita Maia pela sua colaboração e pela clareza com que abordou um tema tão importante e ainda tão controverso.
Qual é a tua maior dúvida em relação à terapêutica hormonal?
Fotografia: Márcia Soares